Ao invalidar parte da lei que garantia a liberdade de expressão nas redes, Corte é acusada de extrapolar sua função e abrir caminho para abusos sob o pretexto de proteger a democracia.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão que, segundo editorial da Folha de S.Paulo, ameaça a liberdade de expressão no Brasil. Por 8 votos a 3, a Corte considerou parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet — norma aprovada em 2014 que estabelecia que plataformas digitais só poderiam ser responsabilizadas judicialmente por conteúdos de usuários em caso de descumprimento de ordem judicial.
Na avaliação da Folha, o STF revogou um dos pilares mais importantes da legislação que regula as redes sociais e assumiu, de maneira casuística, um papel que cabe aos parlamentares eleitos. “O STF arbitrou um novo regramento, atropelando a competência do Congresso”, afirma o editorial.
A decisão impõe que conteúdos como terrorismo, pornografia infantil, tráfico de pessoas, racismo, incitação ao suicídio, violência contra a mulher e ataques à democracia possam ser removidos pelas plataformas mesmo sem decisão judicial. Embora alguns desses crimes sejam objetivamente identificáveis, outros — como “atentado à democracia” — foram considerados vagos pela publicação, abrindo espaço para interpretações amplas e subjetivas.
“A inclusão de termos genéricos, como ataques à democracia, cria margem para abusos e restrições indevidas a opiniões e críticas legítimas”, alerta o jornal. Para a Folha, isso pode alimentar um cenário de censura disfarçada de regulação, comprometendo o livre debate político.
Entre os ministros, apenas André Mendonça, Edson Fachin e Kassio Nunes Marques votaram contra a derrubada do artigo. Segundo a Folha, o conceito de “falha sistêmica” adotado pelo STF para responsabilizar as plataformas também é impreciso, já que envolve uma suposta omissão das empresas em prevenir ou remover conteúdos ilícitos — critério considerado subjetivo.
O jornal ainda adverte que a decisão abre um precedente perigoso e pode gerar uma onda de disputas judiciais. “Não é difícil imaginar que uma norma tão vaga vá provocar questionamentos de toda natureza, criando um ambiente de insegurança jurídica no país.”
Apesar do apelo feito pela Corte para que o Congresso crie uma nova legislação sobre o tema, a Folha sustenta que o Marco Civil já cumpria esse papel e foi elaborado com ampla participação da sociedade justamente para garantir a liberdade na internet.
No fechamento do editorial, o jornal adverte: “Ao intervir de forma tão incisiva, o STF não apenas fragiliza um direito fundamental — o da liberdade de expressão — como também usurpa a função legislativa, assumindo um protagonismo que deveria permanecer com o Parlamento”.