Relatos chocantes feitos ao Universa UOL para o documentário “Saul Klein e o Império do Abuso” revelam detalhes sórdidos sobre abusos praticados pelo filho do fundador das Casas Bahia, Saul Klein de 68 anos de idade. Klein é investigado pela polícia desde setembro de 2020, em um processo envolvendo 14 jovens que o denunciam por estupro, lesão corporal e transmissão de doença venérea, entre outros crimes.
Segundo depoimentos das vítimas, o herdeiro forçava sexo oral, machucava as garotas com as unhas longas e as obrigava a ver filmes de estupro infantil. As jovens participaram de um esquema de aliciamento, que começava com a promessa de um trabalho como modelo e logo ganhava contornos de um jogo de manipulação psicológica e financeira que incluía violências sexuais.
“Eu tinha 17 anos. Uma mulher atrás de mim tirou meu vestido, me levou para o banheiro, me deu um tubo de xilocaína, me mandou agachar e introduzir o conteúdo do tubo no ânus. Fui para o quarto e, ali, ele começou tudo. Quando terminou, eu só chorava”, contou uma das vítimas.
“Ele tem uma barriga enorme que pressiona, segura a gente. Ele foi colocando, forçando o sexo anal. Comecei a pedir para parar, e ele não parava”, disse outra. De acordo com uma jovem, Saul não gostava de cortar as unhas, mas mesmo assim as introduzia nas partes íntimas das garotas. Foi assim que ele rasgou uma delas por dentro. “Quando isso acontecia, já tinham pomadas lá preparadas para as meninas usarem”, relata.
Esquema envolvia ginecologista e cirurgião plástico
Também faziam parte do esquema horrível a ginecologista Silvia Petrelli e o cirurgião plástico Ailthon Takishima, que frequentavam a casa do abusador para atender às garotas. Eles prescreviam remédios para os machucados delas e se responsabilizavam pelo tratamento de doenças venéreas, transmitidas por Saul, que se recusava a usar camisinha.
“Todo o mundo lá pegou HPV. Ele tinha clamídia e queria ter relação mesmo assim”, afirmam as vítimas. Muitas delas choravam, se recusavam a ter relações sexuais com o filho do fundador das Casas Bahia e uma chegou a tentar se matar. Em um relato difícil de se ler, ela contou que Saul a estuprou ainda com os pontos.
“Tive a primeira overdose de medicamentos. Cortei o pulso, levei 12 pontos. Quando cheguei em casa do hospital, no meu celular tinha um monte de ligação da Marta Gomes da Silva, apontada por vítimas e por Saul como cabeça do esquema. Ela disse que eu precisava vir para São Paulo, que o Saul queria me ver. E eu vim. Ele fez sexo comigo com os pontos, sabendo que eu tinha acabado de tentar suicídio, que estava com depressão. Mas diziam que ele era tão bonzinho, que estava preocupado comigo. Eu acreditava.”
Também em um depoimento que faz parte do documentário, uma das jovens afirma ter presenciado uma agressão e uma situação de cárcere privado. “Uma vez, ele tentou enforcar uma menina. Ela quis ir embora, ficou desesperada, mas o segurança não deixou. Falou que não ia perder o emprego por causa de uma ‘putinha’.”
O esquema durou cerca de 15 anos e foi revelado pela jornalista Monica Bergamo, da Folha, em dezembro de 2020, quando Saul teve o passaporte apreendido pela Justiça. Dias depois, o repórter Pedro Lopes publicou os primeiros depoimentos das vítimas, a rotina e os acordos de silêncio na reportagem “O harém do príncipe”. No ano seguinte, a Agência Pública mostrou as acusações de crimes sexuais cometidos também pelo pai de Saul, Samuel Klein, fundador das Casas Bahia.
Uma das peças mais importantes desse quebra-cabeças, e que está no documentário lançado nesta terça (29), é a entrevista da ex-funcionária Ana Paula Fogo, a “Banana”. Ela aliciou e acompanhou as meninas nas fantasias de Saul. “Eu aceito o ódio de muitas meninas porque eu acatava 100% o que ele falava e falava para elas. Até porque ele dizia que alguém tinha que morder pra ele assoprar”, disse.
Banana também alega ter sido ela mesma vítima do empresário. Em comum, elas tinham o sonho do amor em conto de fadas, em que elas seriam as princesas e ele seria o “reizinho”, o príncipe encantado que as ajudaria a mudar de vida.
Três fatores principais contribuíram para o silêncio das vítimas (e talvez de outros atores) em denunciar as violências: a vulnerabilidade social e econômica em que viviam, o que fez com que houvesse um vínculo de dependência financeira; a vergonha de assumir que tiveram de se submeter aos horrores de uma rotina de obrigações sexuais; e o medo gerado por ameaças e intimidações. O documentário revela dinâmicas perversas e doentias.
São depoimentos chocantes, tristes, de submissão forçada, violência e tortura. As experiências levaram uma das vítimas ao suicídio e outras a atentar contra a própria vida. De fato, uma parte de cada uma delas, do que eram e de quem poderiam ter sido, morreu.
Foi a perda da amiga que as mobilizou a denunciar Saul.