Com mais de 10 milhões de seguidores nas redes sociais, o deputado federal André Janones (Avante-MG) lidera uma ofensiva da esquerda na campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições. Adepto à estratégia de “fazer o adversário provar do próprio veneno”, o parlamentar tem divulgado conteúdos desinformativos, distorcidos e fora de contexto contra o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados.
Nos últimos dias, a tática de Janones levou à remoção de uma série de publicações em seu perfil do Twitter e Instagram por determinação da Justiça Eleitoral. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, proibiu o parlamentar de associar o presidente Jair Bolsonaro ao ataque promovido pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) contra a Polícia Federal. Janones havia publicado, em suas redes, que Jefferson era coordenador da campanha do atual presidente — o que não é verdade, embora o petebista seja apoiador de Bolsonaro. Segundo Moraes, as postagens do deputado “se deslocam da realidade por meio de inverdades e suposição”.
Por causa de seu comportamento nas redes, Janones vai ter suas contas monitoradas diariamente pelo TSE até o dia da eleição. A decisão foi assinada pelo corregedor-geral eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, e atinge também o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), um dos principais líderes da direita na “guerra digital” da campanha.
A atuação ofensiva de Janones inaugurou o que tem sido chamado de “janonismo cultural” nas redes sociais. O movimento defende ser necessário usar as mesmas armas que grupos bolsonaristas, conhecidos por espalhar desinformação, e assumir uma postura de ataque para furar a bolha e vencer as eleições.
A adoção da estratégia não é unânime entre eleitores da esquerda, mas ganhou uma legião de adeptos no segundo turno. No Twitter, os usuários subiram a hashtag #EuAutorizoJanones dando “aval” para o deputado subir o tom.
Tática se intensificou após 1º turno
Monitoramentos diários das redes sociais feitos pela professora substituta de Comunicação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Letícia Capone, com a equipe de pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), a pedido da Lupa, mostram que os conteúdos de Janones passaram a se destacar pelo engajamento nos canais e perfis alinhados ao centro e à esquerda pouco antes do primeiro turno.
Um relatório do dia 26 de setembro, por exemplo, mostrou que o principal “representante” desse segmento era o parlamentar. O documento destacou que um dos vídeos nos quais ele reclamava sofrer censura, por exemplo, havia alcançado mais de 64 mil visualizações naquela altura. Esse mesmo vídeo, hoje, tem 946 mil visualizações.
Após o primeiro turno, os relatórios diários feitos pelos pesquisadores passaram a destacar o engajamento de Janones com mais frequência. No monitoramento de 10 de outubro, ele apareceu como responsável por quatro dos dez posts com os melhores resultados dentre páginas e perfis alinhados ao centro. Entre essas publicações, estavam tanto atos de campanha do PT em Minas Gerais quanto uma sequência de ataques ao atual presidente, incluindo um conteúdo desinformativo no YouTube no qual alegou, sem provas, que o ex-presidente Fernando Collor de Mello (PTB) seria nomeado ministro por Bolsonaro e confiscaria pensões, aposentadorias e auxílios em caso de reeleição.
Relatórios divulgados pelo grupo nos dias 17 e 21 de outubro também enfatizaram a atuação de Janones nas plataformas de mídia social. No Facebook, publicações feitas pelo advogado associando Bolsonaro à pedofilia em razão da fala do presidente sobre as adolescentes venezuelanas tiveram altíssima repercussão, apontou o relatório do dia 17. Um dos mais recentes monitoramentos, divulgado no dia 21, ressaltou que Janones angariou boa repercussão com vídeo sobre a redução de salários, aposentadorias e benefícios sociais logo depois de o orçamento do governo federal ter vazado — esse vídeo não está mais disponível.
Veja, a seguir, os principais conteúdos desinformativos compartilhados por Janones no segundo turno da eleição.
Maçonaria
No dia 4 de outubro, dois dias após o resultado do primeiro turno, apoiadores do ex-presidente Lula resgataram um vídeo de 2017 de Bolsonaro na maçonaria. Apesar de ser verdadeira, a gravação gerou várias peças desinformativas, conforme mostrou a Lupa.
Falsas narrativas sobre o tema foram alimentadas por Janones nas redes sociais. Em tom sensacionalista, e com uma estratégia bastante similar à adotada por bolsonaristas, o deputado anunciou no Twitter que faria uma “live explosiva” para contar a verdadeira relação de Bolsonaro com a maçonaria.
A transmissão ao vivo foi feita pelo Facebook, com o título “URGENTE AO VIVO: Bolsonaro faz pacto com seita maçônica pra vencer eleição! REVOLTANTE!”. Antes disso, Janones havia publicado um texto que afirmava que “satanistas ateus da maçonaria” teriam pedido que Bolsonaro fosse eleito para representá-los. O conteúdo teve 6,7 mil compartilhamentos só nessa rede.
Vale pontuar que a primeira semana após o primeiro turno foi marcada pela “guerra espiritual” baseada em desinformação travada entre apoiadores de Bolsonaro — o que já não era uma novidade — e Lula.
Extradição de Robinho
Após o Ministério da Justiça italiano solicitar a extradição do ex-jogador de futebol Robinho, condenado por violência sexual na Itália, Janones publicou no Twitter, no dia 4 de outubro, que Bolsonaro impediria a medida em troca de apoio. A informação, contudo, é falsa.
Apesar de Robinho ter declarado apoio ao atual presidente, a Constituição Federal (art 5, inciso LI) não permite a extradição de brasileiros. Janones foi acusado de “fake news” por usuários do Twitter e a publicação sobre o assunto foi deletada.
Collor como ministro de Bolsonaro
Seis dias após o primeiro turno, Janones compartilhou no Twitter a imagem de uma suposta notícia publicada pelo G1. A publicação sugeria que, caso Bolsonaro fosse reeleito, escolheria o ex-presidente Fernando Collor como um de seus novos ministros. O conteúdo, na verdade, era uma montagem, como mostrou a Lupa
O post também fazia referência ao confisco das poupanças feito durante a administração de Collor (1990-1992) para tentar conter a inflação da época. A medida fracassou e foi uma das razões que provocaram a perda de apoio do governo. Em 1992, por conta de uma série de acusações de corrupção, Collor sofreu impeachment.
Pedofilia
Janones tem relacionado a imagem de Bolsonaro a temas polêmicos e até a crimes. Em pelo menos seis postagens no Twitter, o deputado associou o presidente à pedofilia após o episódio envolvendo as meninas venezuelanas. Em entrevista a um podcast, Bolsonaro disse que “pintou um clima” ao encontrar meninas de 14 e 15 anos durante um passeio de moto.
As postagens foram feitas a partir do dia 15 de outubro, após bolsonaristas subirem o tom ligando Lula ao aborto.
Censura
Assim como apoiadores de Bolsonaro tentam associar a decisão do TSE de direito de resposta a Lula à censura, Janones também usou argumento semelhante para dizer que o governo Bolsonaro o censurou ao derrubar posts que ligavam Roberto Jefferson, preso no dia 23 de outubro depois de atirar contra policiais federais, a Bolsonaro. No dia 24, ele chegou a afirmar que “a ditadura está de volta!”.
Vale pontuar que o advogado tem apostado na ironia para engajar usuários das redes sociais. Em 22 de outubro, por exemplo, publicou uma suposta retratação negando e, ao mesmo tempo, repetindo acusações contra Bolsonaro. Um dia depois da prisão de Jefferson, ele voltou a recorrer à ironia para “negar” que Bolsonaro tenha fotos com o ex-deputado e ex-presidente do PTB, como se fosse uma retratação.
Fonte: Lupa