Uma bactéria chamada Mycobacterium leprae é responsável por uma das mais antigas doenças que acomete os seres humanos, a hanseníase. A condição ainda é cercada por preconceitos e atinge quase 30 mil brasileiros todos os anos, segundo dados do Ministério da Saúde.
Joana D’Arc Gonçalves da Silva, infectologista da clínica Quality Life e do Hospital Regional da Asa Norte, explica que a transmissão da hanseníase ocorre por contato íntimo e prolongado, acontecendo por via respiratória. A bactéria é eliminada pela boca e nariz de quem está infectado, e a doença pode se manifestar após um período de incubação que varia de sete meses a 10 anos.
“A doença é muito antiga e carregada de histórias trágicas, que a gente lê até na Bíblia. Hoje, mesmo com tratamento e cura, carregamos a ideia antiga dos leprosários, de isolamento e dos sequelados da doença. Não deveria ser assim, mas tem muita gente sem diagnóstico e chegando tardiamente aos serviços de saúde“, afirma Joana.
Para a especialista, ainda existe muito preconceito e desconhecimento relacionados à hanseníase. “Já vi pessoas serem demitidas após receberem o diagnóstico. Muita gente acha que vai pegar se dividir o mesmo espaço de trabalho, por exemplo. Esquecem que a bactéria, para ser transmitida, exige um contato íntimo e prolongado, por muitos anos”, conta a infectologista.
Tipos de Hanseníase
Existem diferentes formas de manifestações da hanseníase, dependendo da carga bacteriana e do sistema imunológico do indivíduo.
Hanseníase indeterminada
Joana diz que essa é uma forma inicial da doença e apresenta poucos sintomas. Normalmente, aparece uma mancha clara na pele com diminuição da sensibilidade. Pode haver queda do cabelo no local.
Hanseníase Tuberculóide
A infectologista esclarece que essa forma da doença aparece em pessoas com boa resposta imunológica à bactéria. Surgem manchas com dormência. São marcas bem delimitadas, com pouca elevação e ausência de sensibilidades. Pode acometer nervos de forma simétrica e causar muita dor ou ter perda da sensibilidade. Além disso, pode ser acompanhada de ausência de suor ou queda do cabelo.
Hanseníase Dimorfa
Considerada uma forma intermediária, segundo a médica, esse tipo tem maior variedade de manchas em forma de placas ou nódulos, geralmente acometendo o corpo de forma simétrica.
Hanseníase Virchowiana ou lepromatosa
Essa é a forma grave da hanseníase, ocorrendo geralmente em pessoas com problemas de imunidade contra a bactéria. “Acomete pés e mãos, com perda de sensibilidade favorecendo o surgimento de feridas e deformações. As lesões cutâneas são elevadas, nodulares, e podem acometer mucosa oral e nasal”, explica a especialista.
Sintomas gerais da doença
A médica Araci Pontes, representante do Departamento de Hanseníase da Sociedade Brasileira de Dermatologia, comenta que a doença pode se manifestar por manchas na pele, que podem ser claras, avermelhadas ou acastanhadas. A principal característica delas é a redução ou até mesmo ausência da sensibilidade, em especial ao calor.
“Alguns pacientes apresentam também inchaço de orelhas, dormência em pés e mãos, perda de pelo, diminuição do suor em áreas da pele, e presença de caroços no corpo. Além disso, a bactéria também afeta os nervos dos olhos, braços e pernas”, diz Araci.
A médica indica que, se a hanseníase não for tratada precocemente, pode causar perda da sensibilidade e força nessas áreas, incapacitando a pessoa para desenvolver suas atividades no dia a dia e no trabalho e tornando o paciente mais apto a acidentes.
“Ressaltamos que a maioria da população, cerca de 90% das pessoas, tem uma resistência natural contra a bactéria e não adoece”, esclarece a dermatologista.
Tratamento e cura
A hanseníase tem cura. O tratamento é feito com comprimidos distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com Araci, o tempo de tratamento varia de 6 meses a um ano. “Quanto mais rápido se iniciar o tratamento, menor será o dano neurológico e, consequentemente, o paciente pode ser curado sem nenhuma sequela”, esclarece.
Para ela, o grande problema é a falta de informação, que atrapalha o diagnóstico e o tratamento precoce da doença. “As pessoas não sabem que, assim que o tratamento é iniciado, não há mais risco de transmitir a doença, e portanto, a pessoa pode conviver normalmente em casa, no trabalho e com os amigos”, declara.
Panorama da doença no Brasil
De acordo com o Boletim Epidemiológico de Hanseníase do Brasil, divulgado pelo Ministério da Saúde neste mês, foram diagnosticados no país 155.359 casos novos de hanseníase entre os anos de 2016 e 2020. Desses, 86.225 ocorreram no sexo masculino, o que corresponde a 55,5% do total.
“Essa predominância foi observada na maioria das faixas etárias e anos da avaliação, com maior frequência nos indivíduos entre 50 e 59 anos, totalizando 29.587 casos novos”, indica o documento. Nos últimos 10 anos, foram quase 285 mil casos. Isso representa uma queda de 52% em comparação a década de 2001 a 2010, quando existia uma proporção de 17,65 casos por 100 mil habitantes.
O ministério aponta que parâmetro de endemicidade da hanseníase no país mudou de alto para médio. Entretanto, “o ano de 2020 apresentou maior redução da taxa de detecção geral, o que pode estar relacionado aos efeitos do menor número de diagnósticos causado pela sobrecarga dos serviços de saúde e pelas restrições durante a pandemia da Covid-19”.
Fonte: Metrópoles